Certos fatos são como os círculos concêntricos
que se formam quando a proverbial pedra cai
no proverbial lago.
Têm um significado imediato e tem as conotações que se
alastram, com significados cada vez maiores.
Essa questão dos padres pedófilos, por exemplo.
No seu centro há o drama individual de um homem e sua
compulsão doentia, e das suas vítimas.
O significado seguinte é o da condição antinatural do homem,
obrigado ao celibato ou condenado à hipocrisia,
que se vale da presunção de inocência
que o voto de castidade lhe dá
para praticar o seu vício.
Outro significado maior é o do poder que a religião
tem sobre seus fiéis, para o bem ou para o mal,
expressa na imagem do pastor guiando seu rebanho,
mas sem nenhuma garantia do caráter do pastor.
E se você quiser continuar seguindo estes círculos
secessivos de implicações
fatalmente chegará à neurose sobre o sexo que está
na base de toda idéia de clausura e renúncia
às tentações da carne, e -o círculo seguinte-
na base da nossa civilização.
A demonização do sexo e a misogenia são
constantes da cultura judaico-cristã
e o islamismo não fica atrás,
com suas regras de abstinência e sua sonegação
à vista pública de qualquer parte do corpo feminino.
O celibato protege o padre do contágio do mal
pelo contato com a mulher, descendente de Eva,
a primeira desencaminhadora.
Os padres pedófilos, com sua preferência por meninos,
poderiam muito bem alegar que sucumbiram a
demônios menores.
O último dos circulos irradiados
tem a ver com a Igreja e seus costumes,
como a demora em reconhecer seus erros.
Entre o acobertamento e a omissão,
a hierarquia da Igreja tem muito a ver com os crimes
praticados por seus sacerdotes,
que destruíram a vida de tanta gente.
Mas nada disto afetará sua magestade.
Ela sobreviveu à Inquisição,
à perseguição aos judeus,
à resistência obscurantista a todas as revelações da
Ciência e à cumplicidade com tiranos,
e pediu desculpas.
Ainda hoje dita o comportamento sexual de milhões
de pessoas, apesar de sua posição retrógada
na questão dos anticoncepcionais,
mas um dia pedirá desculpas por isso também.
E pela sua responsabilidade nas vidas destruídas.
O que é eterno não precisa ter pressa.
Luis Fernando Veríssimo (1938- ) escritor
Artigo para O Estado de São Paulo em 1° de abril de 2010.
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