quinta-feira, 1 de julho de 2010

A ESPOSA DO ORIENTALISTA

Em algum lugar da Holanda vivia um homem culto.
Ele era orientalista e era casado.
Um dia, embora tivesse sido chamado, não veio para o almoço.
Sua esposa o espera desejosa, olhando para a comida,
e quanto maior a demora menos ela consegue compreender
o seu não-aparecimento.
Finalmente, ela resolve ir até o seu gabinete de estudo
e exortá-lo a vir.
Lá está ele sentado, solitário, em seu lugar de trabalho,
sem ninguém com ele - absorto em seus estudos orientais.
Posso visualizar a cena.
Ela se bebruça sobre ele, põe o braço sobre seus ombros,
espia o livro embaixo e, em seguida, olha para ele e diz:
"Caro amigo, por que você não vem comer ?"
O estudioso mal atina, talvez, o que foi dito, mas olhando
para a esposa responde:
"Bem, minha menina, almoçar agora está fora de questão:
veja esta vocalização que eu nunca vi antes.
Várias vezes já deparei com citações desta mesma passagem,
mas nunca assim, e a minha edição é uma excelente
edição holandesa. Olhe para este ponto aqui.
É o bastante para levar qualquer um à loucura."
Posso imaginar que a esposa o fita com um meio sorriso,
como a reprovar o fato de que um ponto tão minúsculo pudesse
reprovar a ordem doméstica. Então ela responde:
"Mas isto é coisa para se levar tão a sério?
Não vale a pena perder o fôlego com isso."
Dito e feito. Ela dá um pequeno sopro, e, vejam, a vocalização
desaparece, pois o ponto notável não pássava de um  grão de rapé.
Radiante o orientalista corre para a mesa de refeição
- feliz pelo sumiço da vocalização,
e mais feliz ainda com a esposa.

Sören Kierkegaard (1813-1855) filósofo e teólogo dinamarquês
Parables of Kierkegaard - Princeton 1978 pags 126-7

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