domingo, 14 de março de 2010

ZÉ DO BURRO

A Ultima Hora de Curitiba, reinventou o personagem
Zé do Burro do filme O Pagador de Promessas.
Um andarilho pediu ajuda para pagar sua promessa
na catedral de Florianópolis.
Alguém sugeriu que transferisse o pagamento
para a Igreja do Rocio em Paranaguá.
Assim, sem sair do Paraná,
teria a cobertura diária do jornal de maior
circulação do Estado.
Nosso Zé do Burro tornou-se personagem de todos
os jornais -- porque um jornal imitava outro
e todos imitavam o Jornal do Brasil -- e também
das rádios e de duas televisões que funcionavam
em Curitiba na década de 60.
Quando chegou em Paranaguá com sua cruz esperava-se
que houvesse, como no filme, um confronto
com a autoridade religiosa.
Proibido de subir as escadarias para depositar sua cruz
aos pés da santa, seu esforço ganharia a dimensão
de martírio e talvez virasse notícia nacional,
até internacional.
Ocorre que o bispo de Paranaguá era um sábio.
Em vez do confronto,
decidiu ignorar a chegada do peregrino.
A escadaria ficou livre e as portas da igreja abertas.
A história teria acabado aí se o repórter que cobria
o assunto não tivesse cometido um erro,
pressionado pelo estreito deadline e pela própria ansiedade.
Enviou uma reportagem de véspera,
com relato do confronto que não houve,
do sofrimento que não existiu.
Os jornalistas chamam a isso de barriga.
No caso, uma abençoada barriga,
fecho de ouro de uma sequencia de reportagens
que retratavam a realidade social, o ecletismo religioso,
a humanidade do povo do litoral.
O leitor gostou.
Zé do Burro foi embora e as bancas continuaram
pedindo mais jornais.
O editor paulista recompensou os responsáveis
com um elogio e um ensinamento do velho
William Randolph Hearst, o magnata da imprensa
americana, que dizia a seus editores:
"Não tenham medo de cometer erros.
O leitor pode gostar deles."
Talvez por isso o jornalismo foi definido como
"a literatura com pressa."
O erro de boa fé faz parte de nossa vida profissional.
Grandes reportagens foram perdidas por
excesso de apuração.
Não errar é desumano.
É coisa de computadores.
É previlégio de engenheiros calculistas, gente sem graça,
nem imaginação.
A exceção foi o poeta e calculista Joaquim Cardozo que,
talvez por ser poeta, foi acusado de erro na tragédia
do pavilhão da Gameleira, em Belo Horizonte.

Adherbal Fortes de Sá Júnior - jornalista e escritor curitibano
Parte do discurso de posse na cadeira nº 30 da
Academia Paranaense de Letras, em 02/10/2007.

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